quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Periódicos: poesias anteriores

O nosso mundo
Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno
Poisando em ti o meu olhar eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos...
Os meus sonhos agora são mais vagos
O teu olhar em mim, hoje é mais terno...
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e presságios!
A Vida, meu amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!
Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...
O mundo, Amor! ... As nossas bocas juntas!...


Florbela Espanca

*

3:30 A.M. Conversation
at 3:30 a.m. in the morning
a door opens
and feet come down the hall
moving a body,
and there is a knock
and you put down your beer
and answer.
god damn it, she says,
dont' you ever sleep?
and she walks in
her hair in curlers
and herself in a silk robe
covered with rabbits and birds
and she has brought her own bottle
to which you splendidly add
2 glasses;
her husband, she says, is in Florida
and the sister sends her money and dresses and she has been looking for a job
for 32 days.
you tell her
you are a jockey's agent and a
writer of jazz and love songs,
and after a couple of drinks
she doesn't bother to cover
her legs
with the edge of the robe
that keeps falling away.
they are not bad legs at all,
in fact, very good legs,
and soon your are kissing a
head full of curlers.
and the rabbits are beginning
to wink, and Florida is a long way
away, and she says we are not strangers
really because shes has seem me
in the hall.
and finally
there is very little
to say.

TRADUÇÃO:

Conversa às Três e Meia da Madrugada
às três e meia da madrugada
a porta se abre
e há passos na entrada
que trazem um corpo,
e uma batida
e você repousa a cerveja
e vai ver quem é.

com os diabos, ela diz,
você não dorme nunca?
e ela entra
com o cabelo nos rolinhos
e num robe de seda
estampado de coelho e passarinho
e ela trouxe a sua própria garrafa
à qual você gloriosamente acrescenta
2 copos;
o marido, ela diz, está na Flórida
e a irmã manda dinheiro e vestidos para ela,
e ela tem estado procurando emprego
nos últimos 32 dias.
você diz a ela
que é um cambista de jóquei e
um compositor de jazz e canções românticas,
e depois de uns dois copos
ela não se preocupa com cobrir
as pernas
com a beira do robe
que está sempre caindo.
não são pernas nada feias,
na verdade são pernas ótimas,
e logo você está beijando uma
cabeça cheia de rolinhos,
e os coelhos estão começando a
piscar, e a Flórida é longe, e ela diz
que não somos realmente estranhos
porque ela tem me visto na entrada.
e finalmente
há muito pouca coisa
para dizer.

bukowski
Charles Bukowski

**

Morte
Terna como esta manhã
Fria e mansa como a água
Era triste, pois que era lúgubre
Era certa, pois nunca errava
E era bonita sua chegada
Na densa escuridão
Vinha como curvada

Amedrontava
Mas não punha susto
Tinha olhos, ou não tinha
Tinha mãos, que não senti
Mais não sei
Nada vi
Fui coberto de interiores e uma estranha sensação

Senti pesado o coração
Afundar-se em mim
Então eu a vislumbrei
Não com os olhos
Com a alma ou com o que quer que seja
Sem resistir
Deixei-me carregar no cardo
Deixei-me sucumbir
Como num forte amor
E fiquei por muito tempo assim
Na minha infinita paz
No seu imenso langor
grainn
[protopoesia]

**

Amor que morre
O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!
Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos pra partir.
E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há de vir!

DFlorbela Espanca (Reliquiae, 1931)

**

A cacimba
Tá vendo aquela cacimba
lá na bêra do riacho,
im riba da ribanceira,
qui fica, assim, pru dibáxo
de um pé de tamarinêra.
Pois, um magóte de môça
quage toda manhanzinha,
foima, assim, aquela tuia,
na bêra da cacimbinha
prá tumar banho de cuia.
Eu não sei pru quê razão,
as águas dessa nacente,
as águas que ali se vê,
tem um gosto diferente
das cacimbas de bêbê...
As águas da cacimbinha
tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça...
Tem um gostim do suó
do suvaco déssas môça...
Quando eu vejo éssa cacimba,
qui inspio a minha cara
e a cara torno a inspiá,
naquelas águas quiláras,
Pego logo a desejá...
... Desejo, prá quê negá?
Desejo ser um caçote,
cum dois óio dêsse tamanho
Prá ver aquele magóte
de môça tumando banho!

DZé da Luz (1904-1965, Arcoverde-PE)

**

Elle est retrouvée!
Quoi? L' éternité.
C est la mar mêlée
Au soleil

Mon âme éternelle,
Observe ton voeu
Malgré la nuit seule
Et le jour en feu.

Donc tu te dégages
Des humains suffrages,
Des communs élans!
Tu voles selon...

— Jamais l' ésperance.
Pas d' oríetur.
Science et patience,
Le suplice est sur.

Plus de lendemain,
Braises de satin,
Votre ardeur
C' ést le devoir.

Elle est retrouvée!
— Quoi? — L' éternité.
C' est la mer mêlée
Au soleil.
Tradução de Claudio Daniel:
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Dj.-n. a. rimbaud (1871)

**

Não estamos alegres,

é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

é agitado.

As ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio,

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas.
Dv. maiakovski (1927)

**

deus
          algum
                      indu
                              ogum
                                          vishnu
precisa
                       da tua prece

tua pressa
                       pessoa
só teu pulso
                              acelera

você padece
padecer
                       te resta

tudo
          um belo dia
                                          desaparece

leminskipolonaises, p. leminski

**

Sonhos

Ter um sonho, um sonho lindo,
Noite branda de luar,
Que se sonhasse a sorrir…
Que se sonhasse a chorar…

Ter um sonho, que nos fosse
A vida, a luz, o alento,
Que a sonhar beijasse doce
A nossa boca… um lamento…

Ser pra nós o guia, o norte,
Na vida o único trilho;
E depois ver vir a morte

Despedaçar esses laços!…
…É pior que ter um filho
Que nos morresse nos braços!


Florbela Espanca (in Trocando Olhares - 12/08/1916)

**

Todas as Cartas de Amor são Ridículas

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)

**

maldito
o que não deixa cantar
o canto é fraco

maldito
o que não deixa cantar
o canto é forte

maldito
o que não deixa cantar
o canto gera outro canto

maldito
o que não deixa cantar
o canto nunca deixa de cantar

D
Paulo Leminski

*

VII
(em Manhã em Cem sonetos de amor)

"Vendrás conmigo" —dije— sin que nadie supiera
dónde y cómo latía mi estado doloroso,
y para mí no había clavel ni barcarola,
nada sino una herida por el amor abierta.

Repetí: ven conmigo, como si me muriera,
y nadie vio en mi boca la luna que sangraba,
nadie vio aquella sangre que subía al silencio.
Oh amor ahora olvidemos la estrella con espinas!

Por eso cuando oí que tu voz repetía
"Vendrás conmigo" —fue como si desataras
dolor, amor, la furia del vino encarcelado

que desde su bodega sumergida subiera
y otra vez en mi boca sentí un sabor de llama,
de sangre y de claveles, de piedra y quemadura.

Tradución:

"VIRÁS comigo", disse, sem que ninguém soubesse
onde e como pulsava meu estado doloroso
e para mim não havia cravo nem barcarola,
nada senão uma ferida pelo amor aberta

Repeti: vem comigo, como se morresse,
e ninguém viu em minha boca a lua que sangrava,
ninguém viu aquele sangue que subia ao silêncio.
Oh amor, agora esqueçamos a estrela com pontas!

Por isso quando ouvi que tua voz repetia
"Virás comigo", foi como se desatasses
dor, amor, a fúria do vinho encarcerado

que de sua cantina submergida soubesse
e outra vez em minha boca senti um sabor de chama,
de sangue e cravos, de pedra e queimadura.

Mário
Pablo Neruda

**

Canção do amor imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

Mário
Mário Quintana

**

.41

Por que insistes em querer achar a mentira?
Se tão somente confissões eu te remeto.
Que tanto presumes que faço da vida?
Quando inda fere-me na mão a ponto do teu seio.
Por que me maltratas, quando não me assassinas?
De certo, desentedia-te com meu aperreio.
Queres, pois, minha espuma, meu desassossego
E assim mesmo, receio, por essa alma que me paralisa.
Quando resolveres ter novo plano
De talvez fazer muito de mim
Quem sabe amarás sem espanto
Quem sabe tu vens de novo aqui.
Para cometermos o mesmo lerdo engano
De nos ferir por debaixo dos panos.

**

Cântico

Não, tu não és um sonho, és a existência
Tens carne, tens fadiga e tens pudor
No calmo peito teu. Tu és a estrela
Sem nome, és a morada, és a cantiga
Do amor, és luz, és lírio, namorada!
Tu és todo o esplendor, o último claustro
Da elegia sem fim, anjo! mendiga
Do triste verso meu. Ah, fosses nunca
Minha, fosses a idéia, o sentimento
Em mim, fosses a aurora, o céu da aurora
Ausente, amiga, eu não te perderia!
Amada! onde te deixas, onde vagas
Entre as vagas flores? e por que dormes
Entre os vagos rumores do mar? Tu
Primeira, última, trágica, esquecida
De mim! És linda, és alta! és sorridente
És como o verde do trigal maduro
Teus olhos têm a cor do firmamento
Céu castanho da tarde – são teus olhos!
Teu passo arrasta a doce poesia
Do amor! prende o poema em forma e cor
No espaço; para o astro do poente
És o levante, és o Sol! eu sou o giro
O giro, o girassol. És a soberba
Também, a jovem rosa purpurina
És rápida também, como a andorinha!
Doçura! lisa e murmurante... a água
Que corre no chão morno da montanha
És tu; tens muitas emoções; o pássaro
Do trópico inventou teu meigo nome
Duas vezes, de súbito encantado!
Dona do meu amor! sede constante
Do meu corpo de homem! melodia
Da minha poesia extraordinária!
Por que me arrastas? Por que me fascinas?
Por que me ensinas a morrer? teu sonho
Me leva o verso à sombra e à claridade.
Sou teu irmão, és minha irmã; padeço
De ti, sou teu cantor humilde e terno
Teu silêncio, teu trêmulo sossego
Triste, onde se arrastam nostalgias
Melancólicas, ah, tão melancólicas...
Amiga, entra de súbito, pergunta
Por mim, se eu continuo a amar-te; ri
Esse riso que é tosse de ternura
Carrega-me em teu seio, louca! sinto
A infância em teu amor! cresçamos juntos
Como se fora agora, e sempre; demos
Nomes graves às coisas impossíveis
Recriemos a mágica do sonho
Lânguida! ah, que o destino nada pode
Contra esse teu langor; és o penúltimo
Lirismo! encosta a tua face fresca
Sobre o meu peito nu, ouves? é cedo
Quanto mais tarde for, mais cedo! a calma
É o último suspiro da poesia
O mar é nosso, a rosa tem seu nome
E recende mais pura ao seu chamado.
Julieta! Carlota! Beatriz!
Oh, deixa-me brincar, que te amo tanto
Que se não brinco, choro, e desse pranto
Desse pranto sem dor, que é o único amigo
Das horas más em que não estás comigo.

D
Vinícius de Moraes

**

Poema De Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Carlos Drummond de Andrade

( Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )

**

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Mário Quintana

**

Poema da Agressividade

Eu queria querer você sem chance
Sem conseguir te evitar por pudor,
Te querer tal e qual um animal
Que precisa e não abre mão de precisar.
Te amar não basta,
Eu queria te atacar:
Ser muito mais instinto
Que mero desejo...
Ser menos humana,
Cultural.
Queria ser natural
E desumanamente sincera.


Mônica Buarque

**

Eu sei! Eu sei!
Se sair daqui, o rio me engolirá...
É o meu destino: hoje devo morrer!
Mas não, a força de vontade pode superar tudo
Há obstáculos, eu reconheço
Não quero sair.
Se tenho que morrer, será nesta caverna.

As balas, o que podem as balas fazer comigo
se meu destino é morrer afogado? Mas vou
vencer o destino. O destino pode ser
conseguido pela força de vontade.

Morrer, sim, mas crivado de
balas, destroçado pelas baionetas, se não, não. Afogado não...
Uma recordação mais duradoura do que meu nome
É lutar, morrer lutando.

che
Ernesto Guevara (17 de janeiro de 1947)

**

O inútil luar

É noite. A Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia . . .
Dormem as sombras na alameda
Ao longo do ermo Piabanha.
E dele um ruído vem de seda
Que se amarfanha . . .
No largo, sob os jambolanos,
Procuro a sombra embalsamada.
(Noite, consolo dos humanos!
Sombra sagrada!)
Um velho senta-se ao meu lado.
Medita. Há no seu rosto uma ânsia . . .
Talvez se lembre aqui, coitado!
De sua infância.
Ei-lo que saca de um papel . . .
Dobra-o direito, ajusta as pontas,
E pensativo, a olhar o anel,
Faz umas contas . . .
Com outro moço que se cala,
Fala um de compleição raquítica.
Presto atenção ao que ele fala:
— É de política.
Adiante uma senhora magra,
Em ampla charpa que a modela,
Lembra uma estátua de Tanagra.
E, junto dela,
Outra a entretém, a conversar:
— "Mamãe não avisou se vinha.
Se ela vier, mando matar
Uma galinha."
E embalde a Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia . . .

D
Manuel Bandeira

**

Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

D
Vinícius de Moraes

**

Parada Cardíaca

Essa minha secura

essa falta de sentimento

não tem ninguém que segure

vem de dentro

Vem da zona escura

donde vem o que sinto

sinto muito

sentir é muito lento

D
Paulo Leminski

**

Amiga, no te mueras

Amiga, no te mueras.
Óyeme estas palabras que me salen ardiendo,
y que nadie diría si yo no las dijera.
Amiga, no te mueras.
Yo soy el que te espera en la estrellada noche.
El que bajo el sangriento sol poniente te espera.
Miro caer los frutos en la tierra sombría.
Miro bailar las gotas del rocío en las hierbas.
En la noche al espeso perfume de las rosas,
cuando danza la ronda de las sombras inmensas.
Bajo el cielo del Sur, el que te espera cuando
el aire de la tarde como una boca besa.
Amiga, no te mueras.
Yo soy el que cortó las guirnaldas rebeldes
para el lecho selvático fragante a sol y a selva.
El que trajo en los brazos jacintos amarillos.
Y rosas desgarradas. Y amapolas sangrientas.
El que cruzó los brazos por esperarte, ahora.
El que quebró sus arcos. El que dobló sus flechas.
Yo soy el que en los labios guarda sabor de uvas.
Racimos refregados. Mordeduras bermejas.
El que te llama desde las llanuras brotadas.
Yo soy el que en la hora del amor te desea.
El aire de la tarde cimbra las ramas altas.
Ebrio, mi corazón. bajo Dios, tambalea.
El río desatado rompe a llorar y a veces
se adelgaza su voz y se hace pura y trémula.
Retumba, atardecida, la queja azul del agua.
Amiga, no te mueras!
Yo soy el que te espera en la estrellada noche,
sobre las playas áureas, sobre las rubias eras.
El que cortó jacintos para tu lecho, y rosas.
Tendido entre las hierbas yo soy el que te espera!

D
Pablo Neruda

**

A volta da mulher morena

Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai (...) à mulher morena!

D
Vinícius de Moraes

**

enchantagem

de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo

parecer perfeito

você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

D
Paulo Leminski

**

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!

D
Augusto dos Anjos

**

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

D
Cora Coralina

**

Nunca havia imaginado

Sem amor emprego trabalho

Sem aula

Namorada

A falta que me faz

O PC

**

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei ...
São tantos os que me amaram !
São tantos os que eu amei !
Mas tu - que rude contraste !
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nesta alma, ficaste,
De todos os que eu amei.

D
Paulo Setúbal

**

poesia vã

deixe de sândice
que vão de poesia

em poesia não existe

**

Erro

Erro é teu. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Nem foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença vivo,
Morto, se estavas ausente.
E se ora me vês esquivo,
Se, como outrora, não vês
Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés,
É que, — como obra de um dia,
Passou-me essa fantasia.
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frívolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro...Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras...

D
Machado de Assis

**

nos demais o coração tem morada certa,
fica bem aqui dentro do peito,
mas para mim, a anatomia ficou louca,
eu... sou todo coração.

D
Vladimir Maiakovski

**

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é quem estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não em outra alma.
Só em Deus ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

D
Manuel Bandeira

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